
Você já parou para pensar no seu próprio cansaço? Não falo daquele cansaço gostoso depois de um dia de passeio no parque ou de uma festa animada com amigos. Falo de um cansaço diferente, um que parece que mora dentro da gente. Aquele que não vai embora mesmo depois de uma noite de sono, que nos acompanha como uma sombra, sussurrando que deveríamos estar fazendo mais, sendo mais, produzindo mais. Se essa sensação é familiar para você, saiba que você não está sozinho. Estamos vivendo em uma época que muitos chamam de Sociedade do Cansaço.
A Sociedade do Cansaço é um termo que pode parecer complicado, mas a ideia por trás dele é bem simples de sentir na pele. Imagine que sua vida é uma esteira de academia que nunca para. Você corre, corre, corre, não para ser o melhor, mas simplesmente para não ser jogado para trás. A pressão para ser um bom profissional, um bom pai ou mãe, ter um corpo bonito, uma casa arrumada, uma vida social agitada e ainda postar tudo isso nas redes sociais com um sorriso no rosto… é esgotante. É como se a gente tivesse que ser um super-herói todos os dias, mas sem superpoderes, apenas com a nossa energia, que, claro, uma hora acaba.
Este artigo é uma conversa sincera sobre esse cansaço que nos consome. Não vamos usar palavras difíceis ou teorias complicadas. Vamos olhar para o nosso dia a dia, para as pequenas coisas que nos deixam exaustos, e tentar entender por que nos sentimos assim. Mais do que isso, vamos buscar juntos alguns caminhos para respirar um pouco mais aliviado, para encontrar pausas nesse ritmo maluco e redescobrir o prazer de simplesmente ser, sem a necessidade de estar sempre “performando”.
O que é a sociedade do cansaço e como ela nos afeta?
Vamos pensar em como as coisas eram antigamente. Nossos avós, por exemplo, tinham uma vida com regras mais claras. Havia o chefe na fábrica, o professor na escola, o governo… Eram figuras de autoridade que diziam “faça isso” ou “não faça aquilo”. A sociedade era mais “disciplinar”. Hoje, as coisas mudaram. A mensagem que recebemos o tempo todo não é mais “você deve”, mas sim “você pode”.
Você pode ser o que quiser! Você pode empreender! Você pode ter o corpo dos seus sonhos! Você pode aprender um novo idioma! Você pode viajar o mundo! Parece ótimo, não é? Mas essa liberdade toda veio com um preço alto. O “você pode” rapidamente se transforma em “você deve“. Se você pode tudo, por que não está fazendo tudo? A cobrança não vem mais de um chefe ou de uma figura de fora. Ela vem de dentro de nós mesmos. Nós nos tornamos nossos próprios chefes carrascos, nossos próprios exploradores.
É por isso que vivemos exaustos. O trabalho não acaba quando saímos do escritório. Ele continua no celular, nos e-mails que chegam de madrugada, nos cursos online que sentimos que precisamos fazer para não ficar para trás. O descanso, que antes era um direito, hoje virou quase um luxo. E, quando finalmente paramos, a culpa bate: “Eu poderia estar aproveitando esse tempo para produzir algo”. Esse é o coração da sociedade da performance: a ideia de que cada segundo da nossa vida precisa ser otimizado, produtivo e, de preferência, lucrativo.
De onde veio tanta pressão?

Essa pressão não nasceu do nada. Ela é alimentada por várias coisas que fazem parte do nosso mundo hoje.
- O Mundo Digital e as Redes Sociais: Pense no Instagram ou no Facebook. Ali, todo mundo parece estar vivendo uma vida perfeita. Viagens incríveis, promoções no trabalho, corpos sarados, famílias de comercial de margarina. A gente sabe que aquilo é só um recorte, a melhor parte da vida do outro. Mas, mesmo sabendo, é quase impossível não se comparar. E a comparação é uma fonte infinita de cansaço e frustração. Você olha para a sua vida “normal” e sente que está falhando, que precisa correr mais para alcançar aquele padrão impossível.
- O “Empreendedor de Si Mesmo”: A ideia de ser seu próprio chefe é vendida como um sonho. E, para muitos, realmente é. Mas também significa que você é o responsável por tudo: pelo sucesso e, principalmente, pelo fracasso. Não há mais desculpas. Se você não está tendo sucesso, a culpa é sua, porque você “não se esforçou o suficiente”. Essa mentalidade nos coloca em uma competição constante, não apenas com os outros, mas com nós mesmos, para sermos sempre a nossa “melhor versão”.
- A Positividade Tóxica: Já ouviu frases como “pense positivo”, “seja grato”, “só energias boas”? A intenção pode ser boa, mas muitas vezes isso se torna uma armadilha. É a chamada “positividade tóxica”. Ela nos proíbe de sentir tristeza, raiva ou cansaço. Se você está se sentindo mal, o problema é seu, que não está “vibrando na frequência certa”. Isso nos isola. Sentimos vergonha do nosso próprio esgotamento, porque deveríamos estar sempre felizes e motivados.
Os sintomas do cansaço moderno

Esse cansaço da alma, essa exaustão mental, não é frescura. Ele aparece no nosso corpo e na nossa mente de formas bem concretas. Talvez você se identifique com alguns desses sinais:
Cansaço mental e emocional
É aquela sensação de que seu cérebro está “frito”. Você tem dificuldade para se concentrar, esquece as coisas com facilidade, se sente irritado por qualquer coisinha. É como se sua paciência estivesse sempre no fim. Decisões simples, como escolher o que jantar, parecem um esforço gigantesco. Esse esgotamento emocional nos deixa sem energia para lidar com os problemas do dia a dia e, principalmente, para nos conectarmos com as pessoas que amamos.
Problemas de saúde física
Nosso corpo sempre dá o alarme. A exaustão crônica pode causar:
- Dores de cabeça constantes;
- Dores musculares, principalmente no pescoço e nas costas;
- Problemas de estômago, como gastrite e má digestão;
- Insônia ou, ao contrário, sono excessivo que não descansa;
- Queda da imunidade, fazendo com que você fique doente com mais frequência.
É o seu corpo dizendo: “Chega! Preciso de uma pausa!”.
A sensação de vazio e falta de propósito
O mais cruel sintoma da sociedade da performance é que, mesmo correndo tanto, muitas vezes sentimos um vazio. Fazemos, fazemos, fazemos, mas para quê? A alegria parece distante. Conquistamos metas, mas a satisfação dura pouco, porque logo aparece uma nova montanha para escalar. Perdemos o contato com o que realmente importa para nós, com nossos valores, com o que nos traz um sentimento genuíno de felicidade. A vida vira uma lista de tarefas, e não uma jornada para ser vivida.
Como podemos lidar com a sociedade do cansaço?

Ok, o cenário parece desanimador. Mas a boa notícia é que não somos vítimas passivas dessa história. Podemos, sim, fazer escolhas diferentes. Não se trata de abandonar tudo e ir morar no meio do mato (embora, para alguns, essa seja uma opção!). Trata-se de criar pequenas revoluções no nosso dia a dia, de encontrar brechas nesse sistema que nos quer sempre acelerados.
1. Aprenda a dizer “não”
Essa é talvez a ferramenta mais poderosa que temos. Dizer “não” é um ato de coragem. Não para os outros, mas para nós mesmos. Dizer “não” a um projeto extra no trabalho quando você já está sobrecarregado. Dizer “não” a um compromisso social quando você só quer ficar em casa de pijama. Dizer “não” à pressão interna de que você precisa ser perfeito. Cada “não” que você diz para algo que te esgota é um “sim” que você diz para o seu bem-estar.
2. Redescubra o “ócio criativo”
Você se lembra da última vez que você ficou sem fazer absolutamente nada, sem sentir culpa? O tédio, que hoje tanto tememos, é fundamental para a nossa mente. É no ócio, no tempo “inútil”, que nossa criatividade floresce, que as ideias aparecem, que processamos nossas emoções. Permita-se ter momentos de puro nada. Olhar pela janela, ouvir uma música de olhos fechados, caminhar sem rumo. Não é perda de tempo, é ganho de vida.
3. Desconecte-se para se reconectar
A tecnologia é maravilhosa, mas também é uma fonte de ansiedade. Que tal criar “zonas livres de celular”? Por exemplo, deixar o aparelho fora do quarto na hora de dormir. Ou estabelecer um horário para checar as redes sociais, em vez de fazer isso a cada cinco minutos. Use a tecnologia a seu favor, e não como mais um chefe cobrando sua atenção. Ao se desconectar do mundo digital, você abre espaço para se reconectar com você mesmo e com as pessoas ao seu redor, no mundo real.
4. Celebre o “suficiente”
A sociedade da performance nos ensina a buscar sempre o “mais”. Mais dinheiro, mais sucesso, mais seguidores. E se a gente começasse a celebrar o “suficiente”? Reconhecer o que já temos, o que já somos. Praticar a gratidão não como uma obrigação positiva, mas como um exercício sincero de olhar para a sua vida e valorizar as coisas boas que já existem nela. A felicidade não está no topo da próxima montanha, muitas vezes ela está na paisagem que já nos cerca.
5. Cuide do básico: sono, comida e movimento
Parece óbvio, mas na correria, é o primeiro que deixamos de lado.
- Durma bem: O sono não é um luxo, é uma necessidade biológica. Tente criar uma rotina para dormir e acordar, tornando seu quarto um santuário para o descanso.
- Coma com atenção: Em vez de engolir a comida na frente do computador, tire um tempo para saborear sua refeição. Seu corpo e sua mente agradecem.
- Movimente-se: Não precisa virar um atleta olímpico. Uma caminhada leve, uma dança na sala, qualquer movimento que te dê prazer já ajuda a liberar a tensão e a produzir hormônios do bem-estar.
Viver na Sociedade do Cansaço é um desafio real, mas a consciência é o primeiro passo para a mudança. Entender que esse esgotamento não é uma falha individual, mas um fenômeno coletivo, já tira um peso enorme das nossas costas. Não estamos sozinhos nessa.
A jornada para uma vida mais equilibrada não é uma corrida de 100 metros, mas uma caminhada longa e gentil. Haverá dias em que você vai se sentir produtivo e dias em que a única coisa que você conseguirá fazer é descansar. E está tudo bem. Acolher nossa própria vulnerabilidade e nossos limites é o ato mais revolucionário que podemos ter em um mundo que exige que sejamos incansáveis. Que possamos, juntos, aprender a descansar sem culpa e a viver com mais significado e menos pressa.
Alessandra Alvarenga – Psicóloga